quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Essência

 


O que falta é a inocência no olhar.

A pureza do toque.

O afago despretensioso do abraço.

Falta o colo.

A gratidão na oração.

Falta o respeito na passagem do outro.

Falta a tolerância.

Falta o reconhecimento do que é belo, correto e construtivo.

Falta a fala que consola.

Falta o abraço que enrola enrola.

Falta a companhia no caminho.

Falta o ninho.

Falta a serenidade no carinho.

Falta o abrigo, a cordialidade, falta a verdade.

Falta o amor tão caro.

Falta o cheiro da ternura.

Falta o beijo inocente.

Falta a simpatia da ternura.

Falta a graça da vida.

Falta a cura da ferida.

Falta a ausência das intrigas.

Falta a gentileza.

Falta a certeza das coisas que são.

Falta o coração.

Falta sentar e meditar.

Falta acreditar.

Falta a fé.

Falta ser...

Falta...


que haja um preencher do que falta, para nunca mais faltar.




quarta-feira, 22 de julho de 2020

Útero





De tudo que eu escrevi, leve em consideração que eu ainda nem nasci.

Não há o que passa, nem quem passa - há a passagem.
Fecha-se um ciclo (...)
Os ponteiros do relógio existencial, nunca param.

As palavras ganharam, para mim, outros tons e sons. As ondas sonoras possuem um poder de penetração mais forte ou mais profundo do que a luz. Provavelmente porque, em relação a luz, podemos fechar os olhos quando quisermos, afim de que a luz não penetre, mas os ouvidos não possuem pálpebras

O conhecimento vem através do Som.
A Visão se abre diante dos tons.

Ganhei novos tons e sons.

A porta estava aberta, eu passei pela via da passagem - anos que não possuo mais.
Posso, de forma duvidosamente certa, de uma certeza tão duvidosa, dizer que:

Não quero ser eu mesmo.
Eu mesmo eu já sou.
O "eu" mesmo sabe que se ele se entregar ao "eu mesmo" é porque o "eu mesmo" venceu a vontade de ser transformado, de viver transformações - metamorfosear-se.
Quando o "eu mesmo" diz que quer ser "eu mesmo" é porque o "eu mesmo" encerrou o processo de seguir em direção à mudanças e seguiu o "deixa como está e o que o resto se exploda".

Não, não quero ser "eu mesmo". Quero é que em cada passo, cada traço - cada quadro - eu seja, mas seja de "ser". De ir sendo, de ir se despindo, se desfazendo - quero deixar a pele do meu "eu" cair pelo caminho e, a cada passo, metamorfosear-se.
Meu "eu mesmo" está a caminho, em busca do meu "si mesmo".
Então, porque devo parar e ficar no "eu mesmo"?
Há muita coisa morta ao meu redor - há coisas mortas em mim - estou morrendo aos poucos - não posso ser "eu mesmo".

Descobri a Vida na vida: já não vivo de ilusão.
Não quero mandar na minha vida pois encontrei a Vida que corrigi os passos da vida.
Mudei de rota: tô saindo da vida e migrando para a Vida e isto é definitivo: não há volta.
Ele quebrou todas as pontes atras de mim - passos para trás darão, certamente, em um grande abismo.
Então, na minha vida não mando eu.

Tenho que migrar das verdades que tenho para as verdades que sou.
Ou isso acontece ou serei um monte de "coisa" que nunca deveria ser ou ter sido.
Ter a verdade, falar a verdade e apontar a verdade, após descobri-la, é relativamente simples: ser verdadeiro é o desafio maior. O fingido não é real! O fingido é farsante. Dizer "coisas" verdadeiras é a obrigação de quem se compromete a ser cidadão, outra coisa é ser verdadeiro. O "verdadeiro" não se compromete em ser cidadão, pois o cidadão diz coisas verdadeiras por vários motivos - o verdadeiro diz coisas verdadeiras por um motivo apenas: ser verdadeiro.
Quero migrar para essas verdades.

Entendi a grande teia do "Mundo" (Aion).
As tramas (teias)  conspiratórias são feitas a noite (sonolência), quando a atenção está mais relaxada e a razão está submissa ao descanso.
Se eu for pesado, não subirei acima das teias (...)
Terei que ser leve e potencializar o voo. 

Cativei o silêncio.
Silenciar é puxar o diálogo para dentro.

Sou alienado - vivo em outro mundo.
Sou realista - sei onde meus pés estão.

É paradoxal.
Ser Sal é Missão.

Quero muito ser um canto de Paz.
Não quero que o "outro" encontre em mim guerras.
Não sou de guerras.
A Paz é um trabalho feito artesanalmente - porque tirá-lo do "outro"?

Quero, ao subir a Montanha, que meu olhar seja transfigurado.
Quero ver - ainda sou cego.
Não alcancei a santidade - estou sendo santificado por AquEle que É Santo.

Quero amar o Amor para amar de verdade.
Meu amor é egoísta.
Somente amando o Amor que ama os Homens poderei amar de verdade.
Isto é meta constante!

Confesso: sou fraco à beleza.
Me submeto ao belo.
Encanto-me diante do que é belo.
Confesso: irrito-me (...)
Confesso: choro (...)
Confesso: peco, de cometer pecados - desvios...
Confesso: estou em construção.
Confesso: errei muito e fiz, em minha ignorância, outros errarem.
Confesso: Maltratei e fui maltratado.

Por tudo isso, me pró-pus, à um caminho de meditação.
Meditar é murmurar como os passarinhos (...)
É deixar o coração cantar.

Eu vejo o topo das árvores sacudidas pelo vento.
Ruach...

Eu já vi a terra prometida.
Confesso - caminho para lá.

De tudo que eu escrevi, leve em consideração que eu ainda nem nasci.







domingo, 7 de junho de 2020

Brabeúō





Quando houver em ti, no teu interior - centro afetivo do ser, o Dilema ou o conflito, um arbitro deve ser chamado.

A Paz daquele que É o Ser que É.

Se não houver a paz daquele que é a Paz, não faz (do verbo, fazer).
Nem um passo sem a Paz.
Sem a Paz, nem pense em ir.
Ir, será voltar.
Ir, sem Paz, é não ir.

A Paz daquele que É o Ser que É.

Ela é o arbitro.
Ela é a direção.
...a mão que conduz.
O colo que embala a certeza.
Sim! A Resposta está na Paz.

A Paz daquele que É o Ser que É.

Não é a intuição, mas a Paz.
Não é a vontade, mas a Paz.
Não é o desejo, mas a Paz.
Somente a Paz (...)
Aquela que une você ao que você quer - interligada com a Paz daquele que sabe todas as coisas, lhe trará Paz.

A Paz daquele que É o Ser que É.

Harmonia.
Densidade humana.
Integralidade.
Consciência inocente do justo.
Constelação de valores inegociáveis.

A Paz daquele que É o Ser que É.

Na justiça.
No amor que não apenas elogia.
Na Graça que também corrige.
Na falta que supre.
No escuro que não é trevas.

A Paz daquele que É o Ser que É.

É preciso o sorriso da chuva para aplacar o calor da tristeza.
É preciso o Fogo da Esperança para degelar o pessimismo.
É preciso a contradição para adicionar o que falta.
É preciso o beijo na hora certa.

Somente a Paz daquele que É o Ser que É, poderá ser um arbitro justo, imparcial - condutivo. 
Na Paz, Tudo...
Sem Paz, nada...




sábado, 11 de abril de 2020

Lectulus Pensilis




"...será um ano de descanso para a terra" (Lv 25.5)

Escutem os pássaros.
Eles cantam descansadamente.
O balançar das folhas nas árvores.
Elas descansam ao sopro do vento.
As flores sorrindo, cantam a brisa suave.

Tudo descansa.

Ouçam! Os rios estão enchendo até seus limites.
O mar está mais limpo e os peixes podem viver mais tranquilos.
O mar não esbraveja tanto, quieto, inquietamente belo, dança bailando com suas ondas.
As árvores podem dar seus frutos sem serem atacadas.
As plantas crescem...
O mato verde se alonga.
A vida circula.

Tudo descansa.

Os vermes na terra...
As formigas...
A lagarta que se prepara para a metamorfose...
O tejo escala a parede sossegado.
A cobra passeia entre a relva.
Os insetos passeiam pelas ruas, descansadamente.

Tudo descansa.

O Asno, e o cavalo que antes puxavam carroças, agora descansam.
Não se ouve mais a batida dos açoites.

E o Homem?!

Este, dentre todos os seres, foi obrigado a descansar.

Tudo precisa de descanso:
Os homens.
A Fauna.
A Flora.
A Terra.

O eterno disse: "Haja descanso!".
E houve descanso e aqueles foram os dias.
...e estes são os dias.

A mente precisa descansar.
O coração exige descanso.
Os sentimentos devem descansar.
A esperança descansa.

"Aquietai-vos".

Disse aquele que aquieta.

Não tens para onde ir agora, a não ser para ti mesmo.
O tu, é a tua direção.
Tu é o lugar.
Segue...
Vai e volta em ti mesmo.
Cessa.

sonoriza o silêncio.

Recolhe-te.
Fecha as cortinas.
Apaga as luzes!

Descanso.

Depois do descanso, a maravilhosa sinfonia das estrelas.
O Balé das cores no Céu...
A tinta que não pode ser embotada.
As nuvens que brincam de esconde - esconde com o Sol.

Descanso.

O ser humano tem uma necessidade lúdica: se não descansar, morre.
Morre sem deixar de existir.
Existe morrendo...
A Vida nasce e renasce do descanso.

Tudo descansa.

O amor...
Próprio do ser.
Descansa...
No amar continuo...
O amor que descansa é aquele que não é explorado.
Amor voluntário...
O único que ninguém pode roubar porque sempre está sendo doado.
O amor descansa.

Assim, o choro também descansa.
Há choro visível.
Há choro invisível.
As lágrimas são as únicas que aparecem: sejam para fora ou para dentro.

Dá descanso ao teu choro.

O dia descansa na noite.
A Noite descansa no dia.

...e Deus, aos primeiros raios da oração, responde: "Durma, descanse (...) um dia de cada vez".

...e tudo descansou.










Texto escrito na quarentena do ano 2020 - O ano do Descanso.